Muitos desafios, uma vontade
Francisco Gê de Acaiaba Montezuma
Muitos desafios, uma vontade
Francisco Gê de Acaiaba Montezuma
“Principium cuius hinc nobis exortia sumet, Nullam rem e nihilo gigni diuinitus umquam”
Lucrecio - De Rerum Natura - 150
Lucrecio há mais de dois mil anos já afirmava que nada se cria do nada nem mesmo por força divina.
Memória é a história do passado que não pode ser alterada nem mesmo pela força dos deuses.
A história do Instituto dos Advogados Brasileiros não surgiu do nada, sim fruto de fatos que remetem a História do Brasil, iniciando-se com a transferência da Família Real de Portugal para o Brasil em 1807 em razão da invasão francesa.
Com a transferência foi necessário na Colônia instalar-se administrativamente o Reino e surgiu por Decreto ou por Alvará a partir do dia 13 de maio de 1808 – data da fundação da imprensa no Brasil porque antes prelos não existiam – o aparelho oficial do Reino do Brasil depois Unido a Portugal e Algarves que, surpreendentemente continuou nos primeiros anos a funcionar como em Portugal, aqui existindo apenas o Tribunal de Relação do Estado do Brasil, criado por D. José I, em 1751 e que teve Gomes Freire de Andrade como seu primeiro presidente com jurisdição em toda a Colônia.
Na Constituição Politica do Império do Brasil, aprovada em 11 de dezembro de 1823 e proclamada por D. Pedro I em 25 de marco de 1824 aparece, no §18 do art. 179 a organização de um Código Civil e Criminal e, em 11 de Agosto de 1827, o Visconde de São Leopoldo – que tinha alcançado a láurea de doutor em Cânones com vinte e quatro anos de idade em Coimbra em 1792 – obteve do Imperador D. Pedro a Lei de criação dos Cursos Jurídicos em São Paulo e Olinda.
A existência dos cursos jurídicos e a difusão da cultura jurídica tiveram imediatas consequências na sociedade.
Com a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831 assumiu o trono D. Pedro II que teve a maioridade confirmada em 1840 assumindo plenamente o trono, apesar de contar apenas 14 anos de idade e a Constituição prevê a assunção com 18 anos.
A necessidade de associação que congregasse advogados vinha crescendo em razão do exemplo do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil fundado em 1838 e porque os advogados se empenhavam na consolidação do Estado Imperial ao mesmo tempo em que buscavam uma identidade nacional.
“A existência em Lisboa da Associação dos Advogados inspirou o Conselheiro Francisco Alberto Teixeira de Aragão, nascido em Lisboa em 1788 e bacharelado pela Universidade de Coimbra em 1813 e que se transferiu para o Brasil em 1824, aqui exercendo a magistratura e outros cargos de relevância e pelo seu saber jurídico elevado ao Supremo Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 1828, a reunir em sua própria residência um grupo de advogados com o fim de constituir associação semelhante à de Lisboa.
Das diversas reuniões surge uma sociedade para congregar os advogados do Foro da Capital do Império com a denominação de Ordem dos Advogados do Brasil, o que fica determinado nos respectivos estatutos organizados por uma comissão que fizeram parte os advogados Augusto Teixeira de Freitas, Josino do Nascimento Silva, José Tomás de Aquino, Caetano Alberto Soares, José Maria Frederico de Souza Pinto e Luiz Fortunato de Brito Abreu e Souza Meneses.
Aprovados os Estatutos pelo Aviso de 7 de agosto de 1843, assinado pelo Ministro da Justiça Honório Hermeto Carneiro Leão, foi a 21 do mesmo mês eleita a primeira diretoria pelos vinte seis bacharéis em direito que compareceram a residência do Conselheiro Aragão. Os cargos da mesa couberam ao presidente Francisco Gê de Acaiaba Montezuma (formado Coimbra), ao secretario Josino do Nascimento Silva e o tesoureiro Nicolau Rodrigues dos Santos França Leite. E o Conselho Diretor a seguinte composição: Augusto Teixeira de Freitas, Caetano Alberto Soares (formado em Coimbra), José Maria Frederico de Sousa Pinto, Luiz Fortunato de Brito Abreu e Sousa Meneses, José de Siqueira Queiróz, Luis Antonio da Silva Nazaré, Francisco Inácio de Carvalho Moreira e Dias da Mota.
A instalação solene teve lugar em 9 de setembro de 1843, no salão nobre do Colégio Pedro Segundo, com a presença dos ministros da Justiça, Honório Hermeto Carneiro Leão, dos Estrangeiros, Paulino José Soares de Sousa e da Marinha Conselheiro Rodrigues Chaves (todos os três advogados). Desde então o título oficial ficou sendo o de Instituto dos Advogados do Rio de Janeiro. No ano seguinte, a 15 de maio, uma portaria do ministro da Justiça aprovava o respectivo regimento interno e, pelo Decreto 393, de 23 de novembro, os membros do Instituto podiam usar a veste talar e tomar assento no recinto dos Tribunais, quando no exercício da profissão e em virtude de solicitação do Governo, os membros do Instituto começaram a colaborar na organização dos Códigos de Processo Civil e Comercial”. (1)
A presidência do Montezuma foi de 1843 até 1851 quando deixou o cargo para ocupar assento no Conselho de Estado e no discurso de posse como segundo presidente do Instituto, Carvalho Moreira salientou: “a fundação do Instituto era para moralizar a palavra escrita pelos interpretes da lei; era banir do Foro a detestável trapaça; era disciplinar a milícia dos tribunais; era reerguer do imérito abatimento em que haviam caído, os foros e prerrogativas da nobre classe dos advogados” (2).
Carvalho Moreira ficou apenas dois anos, pois em 1852 foi nomeado Ministro Plenipotenciário junto ao governo dos Estados Unidos sendo sucedido por Caetano Alberto Soares, português da Ilha da Madeira e padre formado em Coimbra, que brigado com o usurpador D. Miguel, irmão de D. Pedro, veio para o Brasil em 1828 ocupando altos cargos na magistratura e pai de Euzébio de Queiroz autor da Lei, em 1850, da abolição do tráfico de escravos.
Seu sucessor foi Augusto Teixeira de Freitas – graduado em 6 de dezembro de 1837 pela Faculdade de Olinda, tendo como colegas de turma figuras das mais brilhantes da História do Brasil – presidente de agosto a novembro de 1857 e que devido a circunstâncias nunca esclarecidas deixou a presidência apesar da sua luminosa inteligência, apresentando, em 1858, ao governo Imperial a sua Consolidação das Leis Civis. Servia de presidente do gabinete o Visconde de Abaeté e a pasta da Justiça era do Conselheiro Nabuco de Araujo, o qual convidou para estuda-la em sua companhia o Visconde de Uruguai e o Dr. Caetano Alberto Soares que no parecer concluíram: “considera a Consolidação digna de aprovação, sendo do louvor do Governo Imperial, pela fidelidade e clareza do texto, pela ilustração das notas, as quais o fundamentam, e ao mesmo passo o regeneram de erros e abusos da praxe”.(3)
Considerado o maior dos jurisconsultos brasileiros, o Instituto dos Advogados, em 1929, na presidência de Levi Carneiro, criou a maior láurea cultural com seu nome, entregue de dois em dois para os que mais contribuíram com estudos e publicações para o aperfeiçoamento das letras jurídicas.
Bacharel em Olinda em 1835, o quinto presidente do Instituto foi Urbano Sabino Pessoa de Mello nascido em 1811. Inicialmente dedicou-se ao magistério e, depois, a magistratura onde foi Juiz de Órfãos e Sucessões em Goiana e em Recife. Eleito para a Assembleia Geral do Império na legislatura de 1838 a 1840 mudou-se para a Capital e diversas vezes reeleito deputado. Depois de derrotas na Câmara e no Senado entregou-se definitivamente a advocacia e as atividades jurídicas, sendo designado para a Comissão Revisora do “Esboço” de Teixeira de Freitas junto dos antes nomeados e coligiu as consultas da Seção de Justiça do Conselho de Estado.
O presidente a seguir foi Agostinho Marques Perdigão Malheiros, nascido em Minas Gerais, em 5 de julho de 1824, filho de magistrado e formado em São Paulo e não se contentando com o titulo de bacharel fez o doutorado apresentando tese na mesma Faculdade.
Deputado na legislatura de 1869 a 1872 e na de 1877, filiado ao Partido Conservador revoltou-se quando o Ministério Olinda aposentou compulsoriamente quatro dos juízes do Supremo Tribunal declarando “ato da mais revoltante arbitrariedade foi cometido contra quatro Ministros do Supremo Tribunal de Justiça, contra o qual ninguém tinha ousado levantar a mão. O governo arrogou-se o direito … não suspender somente os magistrados, mas demiti-los, marear-lhes a toga e lança-los, com ignomínia, à execração pública”. (4)
(a situação repetiu-se quase um século depois).
É de se destacar a sua atuação defendendo a liberdade dos escravos sem pagamento de indenização e o fundador da “Revista” do Instituto ainda batendo-se pela instalação da Ordem dos Advogados, o que só aconteceu em 1931.
Depois de eleito diversas vezes renunciou em 11 de outubro de 1866 devido a problemas de saúde e foi sucedido por José Thomas Nabuco de Araújo nascido em 1813 de família que desde muito militava na vida politica do Brasil, bacharel pela Academia de Olinda, magistrado, jornalista, politico e deputado por diversas legislaturas. Em 1851 foi presidente da Província de São Paulo e, dois anos mais tarde ministro da Justiça cargo que exerceu por duas vezes.
Não tendo conseguido Teixeira de Freitas terminar o Código Civil a incumbência foi entregue a Nabuco de Araújo que também não pode fazê-lo, cabendo, mais tarde, a Clovis Bevilaqua apresentar o projeto definitivo que após aprovado pelo Congresso se tornou lei.